Tive uma aluna na graduação que usava o termo “perplexificada”, quando ficava perplexa diante de algo, obviamente. Sempre lembro dessa palavra, que a uso quando encaixa. Pois agora se encaixa perfeitamente, estou perplexificada diante das palavras de uma escritora (que, em poucas delas, conseguiu dizer uma enorme besteira) no Festival Internacional de Poços de Caldas - Flipoços – que aconteceu entre 26 de abril a 4 de maio.
Pois bem, ela perguntou ao colega escritor “como faz pra ser neomarginal”. Ele, gentilmente, disse que era só ela ser ela mesma. E ela respondeu: Então, agora sou a fulana, neomarginal... Até aí tudo bem, mas ela teve a “esperteza” de continuar e dizer: MAS EU NUNCA FUI PRESA.
Ora bolas! O que isso significa?
A gente sabe perfeitamente o que isso significa.
Eu não tenho, absolutamente, nada contra quem nasceu em berço de outro e teve todas as oportunidades na vida. No entanto, assim como quem não teve absolutamente nada na vida e tudo que conquistou foi com esforço tremendo, quem teve todas as oportunidades tem que merecer estar no palco para falar sobre um trabalho que, de alguma forma, (vê bem, de alguma forma!) suou para executar. Tem que merecer.
O que quero dizer com isso?
Quem teve todas as oportunidades na vida, teve escola de boa qualidade, teve formas fáceis de ir para escola, teve boa alimentação para ir à escola, toda a literatura esteve à mão sempre que quis e precisou, e muito mais facilidades. Por que raios alguém com tantas facilidades na vida e que quer ser um influenciador, um escritor, um formador de opinião, não busca entender o que está por trás de tudo que se diz?
Não precisava ser muito esperta para saber o que é neomarginal, moça. Se destrinchar a palavra vai voltar lá para a escola de primeira qualidade que, com certeza frequentou, e que explica o que é margem, em várias ângulos, ou a simples margem do caderno, ou a marginal de São Paulo, e por aí vai. Nem precisaria saber o que é “neo”.
Mas não, a pessoa faz uma escolha. Ela escolhe engordar o mundo preconceituoso em que vivemos e que muitos de nós luta fervorosamente para que isso se acabe. Ela dizer para o colega, que estava a seu lado, convidado por ela, que ela será neomarginal, mas que nunca foi presa, é um contrassenso, uma estupidez.
Mas vamos à literatura marginal.
A literatura marginal, também conhecida como literatura periférica, refere-se a um conjunto de obras literárias produzidas por escritores que se identificam ou são considerados como pertencentes a grupos sociais marginalizados, frequentemente aqueles que vivem ou vivenciaram a periferia urbana. Essa literatura busca retratar a realidade e as experiências desses grupos, muitas vezes utilizando uma linguagem coloquial e rompendo com a norma culta.
Vê-se isso no Slam, por exemplo. O artista faz seus poemas para dizer em 3 min, numa batalha que faz com outros poetas. Nesses poemas, o artista escreve sobre a realidade que abstrai do dia a dia. O júri que avalia esses poetas, não os avalia pela métrica, ou pela qualidade da forma, mas pelo conteúdo dos versos e pelo sentimento que o artista passa no momento da fala. O poeta vai lá e “grita” suas dores, seus incômodos por ser um cidadão à margem, e não só isso, por estar à margem e ser desvalorizado por isso, e mais, por não ser pauta para decisões governamentais que facilite sua vida.
No entanto, a palavra neomarginal foi criada pelo escritor Vitor Miranda, para ironizar o restrito mercado literário. Segundo ele, “não existe literatura neomarginal, somos artistas diversxs. Somos apenas um movimento que representa muitxs artistas, que se sentem à margem do mercado artístico”.
E assim seguimos, tentando estreitar os laços, as falas, as literaturas, para que um dia (receio não conseguir assistir a isso) elas não agridam a mais ninguém.
Abraços
Kátia Nascimento
Cirúrgica. Você escreve muito bem!